Sou do tempo que escrevíamos cartas. Era um prazer colocar no papel todas as emoções e notícias. Nossos amigos e parentes nos respondiam. Carteiro, essa era a palavra que queríamos ouvir. E o envelope denunciava aquele que escrevera.
O papel e a caneta tinham o poder de contar histórias, e nos conectar. Ou simplesmente diziam, se fulano ou fulana estavam bem, se ocorrera algum fato inédito, como nos fazia bem.
Tive o prazer de escrever muitas cartas. Trabalhando no centro de São Paulo, em um quartel militar, atendendo a pedidos das faxineiras analfabetas, comecei a escrever cartas para seus parentes, e aos amigos que não viam há anos.
Tirava um tempo do horário de almoço, para escrever as missivas, cheias de emoção e de saudade. Dona Zelinda era a mais idosa, e a mais querida por mim e meus colegas.
Quando soube que tinha alguém escrevendo cartas, veio a mim toda feliz dizendo, que por não saber ler, queria que eu respondesse as cartas, que ela recebera dos irmãos lá do interior da Bahia.
Escrever para as outras pessoas, demanda um cuidado muito grande. Principalmente com todas as emoções, a intimidade que invadimos sem querer. Essa Senhora trouxe quase uma dezena de cartas que havia recebido. Fiquei pasma em ver muitos envelopes ainda fechados.
Ela não abriu as cartas, por medo de saber se ocorrera algo ruim, ao mesmo tempo por não confiar em outra pessoa para abrir os envelopes. Fiquei completamente apavorada. Fui abrindo uma a uma das cartas, felizmente tinha data no cabeçalho, então pude montar uma cronologia. À medida que abria os envelopes ela falava:
— Essa aí, é de quem menina? E eu respondia: — De fulano de tal ela completava: –– Esse é meu irmão, essa é minha irmã, ou minha prima ou tia.
Depois de ter montado a ordem das cartas, comecei a respondê-las. Cada palavra que essa Senhora ditava era carregada de saudade. E sempre começava por:
— Olha fulano(a), quem está escrevendo a carta é uma moça que trabalha aqui comigo. E eu lhe falava: Dona Zelinda não precisa explicar. Mas ela fazia questão de mostrar, que alguém se importava com ele, ao ponto de ler e escrever suas cartas.
Ouve momentos que escrevi com lágrimas nos olhos. Não queria demonstrar a dor e a tristeza, que por muitas vezes me tomava. E não eram só as histórias de miséria, de dor e desespero que aquelas cartas traziam. Eram vidas desconectadas do aconchego do abraço e da presença física.
Depois de algum tempo já conseguia segurar a minha emoção. Em casa, falava e contava a meu esposo, o que lera e a resposta que ele dava, sempre cheia de fé e esperança. Ele se mantinha quieto, depois me olhava e falava:
— Vai escrever suas poesias, você precisa relaxar.
Um certo dia Dona Zelinda, me pediu para escrever uma carta para o programa do Silvio Santos, queria que o apresentador melhorasse a casa que morava, para que ela pudesse trazer a irmã para São Paulo. Tentei explicar que esses programas recebem milhares de cartas, que era praticamente impossível ela conseguir participar.
Mas terminei por escrever inúmeras cartas para o Silvio Santos. Escrevi por conta própria umas cem cartas, na esperança de que Dona Zelinda, tivesse a oportunidade de realizar seu sonho.
Até mesmo meu esposo copiou e escreveu. Não sei se ela realizou o sonho ou não. Fui transferida para outra cidade. Nunca mais soube das pessoas daquele local. Mas ficou em minha memória, essa mulher guerreira, tão desprovida de meios para viver, mas generosa em reconhecer em mim uma amiga. Confiando ao ponto de falar de sua intimidade.
Eu aprendi que fazer o bem a alguém, nos faz melhores, no caso dessa senhora em sua simplicidade, me ensinou que bondade não tem classe social, a dor alheia pode nos fazer reconhecer o quanto somos ricos só pelo fato de saber ler e escrever.


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