segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Quando a ex-presidente Dilma Roussef foi impichada, logo em seguida, a nova primeira-dama, esposa de Michel Temer, a jovem Marcela, apareceu em uma reportagem que trazia como manchete “Bela, recatada e do lar”.

Nas minhas redes sociais, coloquei duas fotos, numa delas Marcela, de frente; na outra, Dilma, de costas, e escrevi: “De fato, o protótipo feminino de Dilma contraria a sociedade conservadora brasileira”. Fui atacada por homens e por mulheres que, ofendidos, afirmavam que a sociedade brasileira sempre fora libertária, democrática e que as mulheres sempre tiveram espaço aberto em todas as áreas (aham! Me engana que eu gosto).

Estamos diante do caso do jogador Daniel Alves, acusado de estupro na Espanha: alguém tem dúvidas que, no Brasil, a jovem que o acusa seria apontada como culpada pelos juízes das mídias sociais, como costuma acontecer em casos semelhantes?

A violência contra mulher vem dos tempos coloniais, passa pelo Brasil Império, percorre toda a República, a ponto de exigir que se elaborasse a Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio e, finalmente, nos deparássemos, diariamente, com inúmeros casos de mulheres mortas por seus maridos ou companheiros.

     Construiu-se no imaginário um ideal de mulher submissa e, aqui, eu adentro a minha seara: a Literatura de cunho romântico. A jovem Carolina, do romance A moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo, na infância, jurou amor eterno a um menino com quem trocara um mimo (um breve). Adulta, sequer sabia o nome daquele menino (Augusto) que encontrara na praia em tenra idade, mas quis o destino (oh, o destino) que eles se encontrassem, se apaixonassem e fossem felizes para sempre.

     José de Alencar, que se dedicou a compor perfis femininos, tem, no romance Senhora, certa aproximação com a estética realista, quando divide a obra em ações ligadas ao comércio (veja-se os títulos dos capítulos), mas sucumbe ao ideário romântico e, entre as desventuras de Aurélia e Fernando Seixas, encerra a narrativa com a poética “cerram-se as cortinas do sagrado amor conjugal”.

 

    Se avançarmos um pouco no tempo e nos pendores literários, no Realismo, a personagem mais conhecida é Capitu, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Inteligente e sagaz, Capitu é, paulatinamente, alijada do convívio com o marido porque ele supõe que ela o traíra com o melhor amigo dele, Escobar, e essa suposição ocorre no dia do funeral de Escobar. Não há perdão para a mulher, nem mesmo quando não há provas de um suposto adultério. Ela deve sempre ser fiel.

 

    No chamado Neorrealismo, estética literária que vigorou a partir de 1930, uma das obras mais consagradas é Vidas secas, de Graciliano Ramos. Fabiano e Sinhá Vitória são dois retirantes da seca, miseráveis; mas ela tem um pequeno conhecimento a mais: saber fazer continhas separando sementes de milho, feijão etc. Quando o patrão não paga a Fabiano o que a mulher calculara que ele deveria receber, ele a acusa de burra – não cogita que fora logrado pelo dono da fazenda.

 Olhemos para a nossa contemporaneidade. Há um grande esforço para que mulheres ocupem, cada vez mais, postos de comando; mas quantos, entre nós – homens e mulheres – estamos, de fato, dispostos a acreditar e apoiar mulheres que se destacam?

Antonio Meneghetti, estudioso italiano, dedicado a Ontopsicologia, afirma que os homens colaboram entre si, mas por uma espécie de “instinto de sobrevivência” não são muito receptivos à concorrência feminina no meio institucional. Por outro lado, ele assinala que mulheres boicotam mulheres quando elas se destacam, em qualquer ramo da vida em sociedade. 

 

 

Por quê? Porque isso desestabiliza o status quo (a organização social), aquilo que as próprias mulheres acreditam ser o seu papel (o que sabemos é uma construção social feita pela Igreja, pela burguesia, pelo capitalismo, pós-Revolução Industrial). Que lhe parece?

 

Texto: Elaine dos Santos

Ilustrações e pesquisas: Jornal Rio de Flores

Saiba mais em: 

https://www.ebiografia.com/joaquim_manuel_de_macedo/ 

https://www.ebiografia.com/jose_alencar/ 

https://www.ebiografia.com/machado_assis/ 

https://www.ebiografia.com/graciliano_ramos/ 

http://www.antoniomeneghetti.org.br/home/ 

 

Elaine  dos Santos
É natural de Restinga Seca/RS. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Graduada em Letras, Mestre e Doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em língua espanhola pela Universidad de La Republica, Montevidéu. É autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe”. Atuou como professora de Língua Espanhola, Literatura e Metodologia Científica no ensino médio, em cursos de graduação e pós-graduação. Foi Coordenadora do Curso de Letras e de Programas Sociais na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/campus Cachoeira do Sul. Atuou como banca elaboradora de questões dos concursos PEIES e vestibular da UFSM e como avaliadora de redações dos mesmos concursos. É revisora de textos acadêmicos e parecerista ad hoc de revistas com classificação Qualis. Cronista, com publicações em jornais e em diversas antologias.

 

Edição e Direção
 Renato Galvão
 



Um comentário:

  1. Parabéns professora Elaine dos Santos, pelo excelente texto!
    Grata pelos informações tão esclarecedoras!
    Sucesso.

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