quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 De Literatura e outras Artes Colunista: 

Prof. Dra. Elaine dos Santos 

Foto - Site: Só Português - Divulgação

O solitário (e quase sempre incompreendido) 

trabalho do revisor de linguagem

Confesso que não sei quais são as habilidades atribuídas a um professor licenciado em Letras na atualidade, mas, nos bons tempos (lá na Idade Pedra) quando concluí o Curso de Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para além da docência (dar aulas), nós éramos preparados para trabalhar na área de marketing, como tradutores, como assessores de comunicação ou assessores de cultura, como revisores de texto em empresas jornalísticas etc.

No mesmo ano em que conclui a graduação, fui indicada para lecionar em uma universidade da região, “gostei da coisa”, em seguida, fiz mestrado e segui a vida como professora. Sou uma profissional “realizadérrima” nesse quesito, participei da formação de alunos de ensino médio e, para além disso, estive na base de formação profissional de outros professores que, hoje, seguem atuando por todo o estado do Rio Grande do Sul e em cidades de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Nesse mesmo ambiente, fiz trabalhos voluntários em presídios, em asilos. Amadureci pessoal e profissionalmente.

Depois do doutorado, muito doente, acabei me aposentando – eu tinha, verdade seja dita, o sonho de fazer o concurso de Leitorado pelo Itamarati e ir embora do Brasil, trabalhar nas embaixadas brasileiras mundo afora, mas...houve uma pedra, um entulho no meu caminho que inviabilizou a realização do meu sonho.

Com um bom trânsito no meio universitário, com dificuldades financeiras, desde a doença do meu pai, que padeceu as sequelas de cinco graves AVCs, eu passei a trabalhar com revisão de monografias, dissertações, teses, capítulos de livros, livros. Os outros escrevem – quase sempre mestrandos ou doutorandos – e eu ponho a mão para “melhorar”, deixar mais claro, mais fluído o que eles escreveram.

Vantagem 1: tenho um trabalho digno que me propicia uma fonte de renda.

Vantagem 2: eu leio textos na área do Direito (há amigos que brincam que eu sou formada em “Direitês”), Educação, Educação Matemática, Informática, Arquitetura, Teologia, Filosofia, História (tenho aprendido tanto sobre as mentiras que nos contaram sobre a História do Brasil), o meu conhecimento, enfim, ampliou-se grandemente nos últimos anos – e aqui começam as desvantagens: as pessoas não admitem que eu, uma professora aposentada, que vive o dia trancada dentro da casa, tenha tanto conhecimento.

Vantagem 3: eu estou sempre atualizada com as mais modernas leis e teorias que estão em voga no Brasil e no mundo. A gigantesca maioria dos pais não sabe, por exemplo, que expor a vida dos filhos pequenos em fotos em redes sociais poderá lhes custar um processo (ou mais) quando esses filhos crescerem e julgarem que foram expostos em demasia, tiveram a sua vida privada tornada pública sem sua autorização. Eu sei, por exemplo, que já se forma um consenso no meio acadêmico: a judicialização da política brasileira tem uma causa, a falta de atuação efetiva e responsável dos Poderes Executivo e Legislativo – para não se indisporem com a população, presidente/governadores/prefeitos e/ou senadores, deputados e até vereadores “deixam estourar” os problemas nas mãos do Poder Judiciário, que decide à luz da lei sem privilegiar o correligionário A ou B.

Por outro lado, são fontes de extremo estresse: em um país em que as pessoas odeiam ler e acostumaram-se a “atropelar” a língua portuguesa, ofendendo-se, com muita frequência, quando se observa algum deslize que elas escrevem, por exemplo, em redes sociais, é necessária muita diplomacia para demonstrar que há problemas de linguagem em textos escritos (ainda que graduandos, mestrandos e doutorandos decidam pela revisão dos seus textos porque tenham a tal humildade científica e saibam que precisam qualificar os seus textos), mas, no dia a dia, quando todos “acham que têm opinião” e colocam a sua opinião como uma verdade... é preciso uma dose extra de paciência, autocontrole para não dizer: “hey, que droga é essa que você tentou escrever?”

É quase impossível olhar para um texto em que o verbo “permitir” foi repetido cinco vezes em um mesmo parágrafo e não ser tentada a dizer, quem sabe, você substitui por “possibilitar” ou “propiciar” ou “proporcionar” ou “viabilizar”?

Da mesma forma, como você lida com leitura e produção de textos, é constrangedor ser acionada no sábado à noite quando haverá um concurso no domingo: “Você poderia me dar umas dicas sobre redação?” Ahn, como assim? Dicas? Que tipo de dicas? Ler e escrever são um processo, não se dá dicas, não existem macetes: ou você lê muito, observa muito a escrita correta dos grandes escritores e faz como dizia a minha professora de ensino médio: “escreve e joga fora, escreve e joga fora; lá pela décima vez, pensa na possibilidade de aproveitar aquilo que você escreveu” ou você não assimila dicas de última hora.

Outra coisa que causa muito desgaste: o revisor precisa de silêncio e concentração para ler, com extrema atenção, os textos que estão sob sua revisão – estão lhe pagando para isso. Tomei como hábito acordar por volta das 4h da manhã, não há cães latindo, não há rádios ligados, não há crianças fazendo algazarra e, principalmente, não há mensagens sendo recebidas. “Ah, mas tu não participas de grupos de WhatsApp!”, “Ah, mas tu não atendes mensagens de WhatsApp!” É preciso explicar para as pessoas que, parar o meu trabalho, a leitura de um determinado trecho, ler duas, três, cinco, dez, trinta mensagens de WhatsApp, simplesmente desconcentra, dispersa e faz perder tempo. São, com muito boa vontade, mais de 30 minutos, entre parar a revisão, dar atenção às mensagens de WhatsApp, voltar a ler e “pegar o fio da meada” daquilo que se estava lendo, ou seja, concentrar-se novamente.

Criticam-me porque não saio de casa, não passeio, não faço visitas aos finais de semana. Como? Se exatamente no fim de semana, tudo silencia e é a hora que o serviço rende!

Não existe, por outro lado, o “dá só uma lidinha”: o que é uma lidinha em um texto? Ler e ignorar problemas de regência, concordância, sinonímia, estilística, por exemplo. Um professor de português estuda, em média, quatro anos (oito semestres), “dar uma lidinha” significa mobilizar todos os conhecimentos adquiridos em quatro anos de graduação e, para além disso, todos os anos do “chão de escola”, quando, em sala de aula, ele leu, ele escreveu, ele argumentou, ele instruiu, compartilhou conhecimentos com os seus alunos.

Dá uma tristeza..., mas uma tristeza tão grande ver as pessoas desconhecerem a própria língua que usam: falam e tentam escrever. Leia mais, escreva mais, escreva de novo, leia de novo, escreva de novo. Escrever é um exercício constante. Deixe o texto “dormir”, releia no dia seguinte, na semana seguinte. 

Elaine dos Santos é natural de Restinga Seca/RS, cognominada “Terra de Iberê Camargo”. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos, ambos falecidos. Mestre e doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação para professores de língua espanhola pela Universidad de La Republica de Montevidéu, Uruguai. Atuou como professora de Literatura no ensino médio e no ensino superior. Atualmente, é revisora de textos acadêmicos (artigos, projetos, dissertações, teses). Cronista, com participação em diversas antologias. Membro atuante em sete academias literárias.

 Contatos:

Instagram: @ profe.elainerevisoradetextos

Youtube: https://www.youtube.com/c/ProfeElaineLiteraturaHistória


 

Antologia As Faces do Amor

Lançamento 01 de Outubro de 2022

Maiores Informações:  

 

Edição e Direção Geral: Renato Galvão

Artista Plástico, Antologista, Escritor, Poeta e Produtor Cultural. Editor, Design Gráfico e Copydesk na Rio de Flores Editora, criada pelo artista para dar ênfase aos seus projetos literários e publicações autorais. Criou o Programa Estrelas, a RGvídeos, para dar suporte a Rio de Flores Editora na divulgação da Cultura, Artes e Artistas. Seus Projetos Rio de Flores e Encantos da Lua, Elas São Flores e Natureza Fonte de Vida, são coletâneas/antologias exclusivamente lançadas para atingir e divulgar escritores (as) anônimos (as).

 

 


 

 

6 comentários:

  1. Exma Dra Eleine Dos Santos , achei muito pertinente o seu texto em forma de desabafo cultural. Entendo os sacrifícios que faz para devolver as obras aos outros , no melhor estado/ na melhor apresentação possível . As privações a que se obriga levam-me a pensar que o trabalho de ensino nunca termina. Minha própria mãe foi professora e já pude beneficiar de um aprendizado mais exigente. Para meu benefício .
    Quero deixar aqui os meus parabéns pela sua força e determinação.
    Os meus agradecimentos pelo que oferta ao mundo através dos seus mundos.
    Saudações
    Ana Mendes

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    1. Oi, Ana! Aos 18 anos, eu apresentei um quadro grave de uma determinada doença; aos 24 anos, eu perdi a minha mãe e, dois anos depois, morreu a minha avó paterna, que morava conosco. Faço essa introdução para explicar que aprendi, na dor, que é preciso enfrentar as vicissitudes da vida (sem contar que, em 2019, arrancaram, literalmente, um pedaço de osso do meu corpo para exame!). Durante a graduação, trabalhava 40 horas por semana, viajava 100km por dia, sábados e domingos eram para tudo, menos para diversão, o que me lembra um desses pensamentos que rolam nas redes sociais: "quando a gente quer, sábado vira segunda" (ou algo assim!), nós não podemos nos queixar da vida se nada fizermos para mudar, melhorar a nossa vida e a vida daqueles que nos cercam (já perdi a noção do que é cercar, em tempos de internet).
      Quando você refere a sua mãe, creio que entenda um pouco desse sentimento que acompanha o professor, somos professores 24 horas por dia, em todas as circunstâncias, porque o outro, o crescimento do outro é um compromisso humano, cidadão, profissional. Por fim, a alusão à palavra mundo me faz pensar num trocadilho que costumo usar: "eu não vou mudar O mundo, mas se eu puder melhorar alguns mundos, eu serei feliz". Grande e carinhoso abraço, obrigada pela partilha e pelo carinho.

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  2. Muito bom poder conhecer a sua história. Parabéns pela profissão linda que empenha, muito importante para nossa literatura

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    1. Josimar...hehehehe...faz algum tempo, alguém, num grupo qualquer, disse que era "guardiã da língua portuguesa", achei tão arrogante, a língua é viva, ela muda, ela se transforma, mas, em tempos que as pessoas falam tanto em ordem, em respeito e pouco agem, de fato, para manter a ordem e o respeito (e mais nos incomodam com os seus discursos vazios), eu ainda creio que a língua portuguesa faz parte da nossa identidade como nação, nos irmana, nos aproxima. Você, provavelmente, como eu, tem o espanhol/castelhano muito próximo, geograficamente, mas escolhemos ser brasileiros, falarmos português. Preservemos a nossa dita "língua mãe", mesmo que isso custe algum esforço.

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  3. Parabéns pelo belíssimo texto, querida professora Elaine. Realmente dá uma tristeza enorme as pessoas não saberem falar e escrever a própria língua. Infelizmente pelo andar da canoa a tendência é piorar. A nova geração tem preguiça de ler e escrever corretamente. É o que mais vemos pelas redes sociais a nova forma de escrita com abreviaturas que ferem a nossa língua pátria. Um forte abraço e receba a minha mais profunda admiração pela pessoa e profissional que és.

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  4. Lira, querida e batalhadora!!!! Quando eu vejo pessoas como você não se queixarem, não reclamarem, mas irem à luta e fazerem a vida acontecer, confesso que me encho de esperança em dias melhores. A língua muda, ela é viva e vai se adequando, mas ficarem "torrando a paciência", querendo que se desculpe erros, deslizes, "açoites" contra a língua porque isso e porque aquilo, eu sempre penso em Firmina dos Reis, Machado de Assis e Graciliano Ramos, que não frequentaram a escola e são quem são, três grandes e respeitados nomes da Literatura brasileira. Sigamos...sem esmorecer!

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