De Literatura e outras Artes
Colunista:
Prof. Dra. Elaine dos Santos
A Arte é inerente ao ser humano
Conservar a memória dos seus feitos sempre foi um desejo humano. De um modo geral, isso era feito, nas sociedades sem escrita, pelos homens-memória, os anciãos, homens mais velhos que conheciam as artes dos ofícios, o saber fazer, a data de plantar e de colher, por exemplo.
Em História social da literatura e da arte (1998), Arnold Hauser ensina-nos que os primitivos hominídeos que habitaram as cavernas deixaram registros de suas caças. Ainda que não se possa garantir que fosse um ritual místico, em que visassem aprisionar o animal que pretendiam aprender e matar na prática de caça ou a representação do ato efetivo da caça, o que se pode afirmar é que, ali, naquelas pinturas rupestres está o gênio humano, o desejo de expressão, o registro de emoções, sentimentos próprios do homem. Referindo-se às sociedades que viveram a última Idade Pedra, Hauser (1998) chega a postular que a divisão do trabalho já permitisse a existência de especialistas em arte (rudimentar, é claro).
Desse modo, conforme avançava a civilização humana, é possível considerar que modificaram-se as formas de pintar, surgiram formas de representar – o teatro teria registros no Egito cerca de 5.000 anos antes de Cristo -, o diálogo fez-se presente, desde a mera imitação da natureza, incluindo, além disso, o geometrismo, o subjetivismo, importava registrar os sentimentos, os temores, as alegrias, as concepções sociais que marcaram, ao longo dos séculos, a passagem do homem pela terra, quer fosse confundindo-se com a realidade circundante, quer fosse problematizando essa mesma realidade ou ainda fazendo rir ou meramente contemplando-a (SANTOS, 2019).
Neste sentido, é importante salientar que, em sua Poética, Aristóteles (2003) reconhece que os homens têm uma tendência instintiva à imitação que lhes acompanha desde a infância, sendo assim, ela é inerente ao ser humano. Ao seu tempo, o Século de Ouro da Grécia Antiga, Aristóteles concedeu relevância à epopeia, de que são exemplos Ilíada e Odisseia, e às tragédias, em particular, obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Contudo, outras manifestações literárias, como o mimo e a pantomima eram muito frequentes entre os gregos e se prolongaram na história do teatro, para citarmos apenas dois exemplos.
A modernidade, por sua vez, consagrou o romance, a história do homem fragmentado, dilacerado diante de uma sociedade que lhe exige sempre mais. Assim como tantas outras formas de manifestação de emoções e sentimentos são reconhecidas como “imitação” da vida humana, imitação ou mimese, o que está no poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, em que o eu lírico afirma que há várias dores manifestas numa poesia: a do poeta, aquela expressa em palavras em sua poesia, a dor que o leitor identifica no texto, a dor que o leitor imagina que o poeta sentiu, a dor que o leitor sente e “purga” na leitura – a chamada catarse ou purgação, quando nos desprendemos do cotidiano para chorar ou mesmo rir os nossos dramas ou nossos infortúnios e/ou os infortúnios alheios – afinal, quem não riu diante do tombo do conhecido no meio da rua, quem não chorou diante da morte da mocinha na telenovela ou não torceu pela prisão do vilão? Pois é, a Arte, em seu sentido mais literal dá-nos essa liberdade para rir e chorar, para brincar com as palavras, para sermos humanos, com todos os direitos, com todas as limitações, com todas as frustrações, mas com todas as alegrias que a condição humana nos permite.
Referências:
ARISTOTELES. Poética. 7.ed. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices: Eudoro de Sousa. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003.
HAUSER, A. História social da literatura e da arte. Tradução: Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SANTOS, E. Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe. São Paulo: Diálogo Freiriano, 2019.
Contatos:
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Youtube: https://www.youtube.com/c/ProfeElaineLiteraturaHistória
Edição e Direção Geral
Renato Galvão


Lindo texto, maravilhosa informação.👏👏👏
ResponderExcluirA professora de Literatura acaba sempre querendo dar aula. Esses textos trazem um pouco da experiência docente e do esforço que era ministrar a disciplina fundamental para os estudos literários na graduação em Letras. Fico muito feliz que tenhas gostado. abraço.
ExcluirA arte na nossa vida é fundamental.
ResponderExcluirÉ a partir dela que muitas pessoas expressam os seus sentimentos.
A arte imita a vida ou a vida imita a arte?
Adorei o seu texto Elaine, está de parabéns.
Platão dizia que os artistas são a perdição de uma sociedade, porque, diferente do artífice/artesão, os artistas não saberiam imitar a natureza (obra dos deuses). Aristóteles, discípulo de Platão, discordou dele e afirmou que, pelo contrário, os artistas têm a capacidade de (re)presentar a realidade, a chamada mímese, que é uma imitação da realidade, mas não é uma mera e simples imitação, ela é mediada pela emoção, pela sensibilidade do artista. Nesse intervalo, entra o leitor que, quanto mais experiência tiver, melhor "se comunica" com o texto e estamos diante daquele poema de Fernando Pessoa: "Autopsicografia" que, para mim, representa, ao fim e ao cabo, a essência do teu comentário. abraço.
ExcluirAcho lindo a forma como a professora Elaine escreve seus textos. E este em especial é digno de aplausos, tamanha riqueza de informações. Parabéns! Deus conserve sempre a sua sabedoria em lidar com as palavras.
ResponderExcluirLira, eu acredito que Deus traça destinos. Eu tive um professor, meu orientador de iniciação científica, que "talhou" a minha forma de escrever, num tempo em que não havia computador, eu escrevia, reescrevia e reescrevia textos, porque ele "pintava" os meus textos com "por quê?", "como assim?", "o que isso significa?", exigindo-me mais e mais, num exercício que durou sete semestres. Ele foi professor, pai, amigo, irmão, orientador e, com certeza, foi um professor que ensinou muito dos elementos que estão neste texto. Um abraço.
ResponderExcluirÉ parabéns para o Renato!
ResponderExcluirParabéns.
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